Precisamos parar de romantizar a doença mental na arte (Parte 1)
Doença mental na arte
Doença mental na arte

“A gente mal nasce e começa a morrer” – Toquinho

Meio desiludido e resignado, imaginando uma fila de pessoas lúgubres caindo no túmulo (fazendo uma paródia sombria da famosa ilustração da evolução), eu cantarolava isso buscando alento para o cansaço de uma vida de boemia universitária inconciliável com o excesso de trabalho mal remunerado. Eram meus últimos semestres de faculdade, já no final da primeira década do século XXI. Ilusão a minha, pois ainda não estava desiludido e resignado.

Oi para você que, com sua leitura e compartilhamento, incentiva a repercussão de movimentos artístico-culturais e estimula reflexões acerca de práticas de liberdade. Bem-vindo ao Mariposas Espaciais. Obrigado pela visita, fique à vontade para respirar breves silêncios neste mundo de ruídos.

Percebo hoje que não estava desiludido e resignado no fim da graduação, estava mesmo é cansado e com a saúde mental um tanto quanto frágil. Mais de uma década depois, alguma experiência com terapia e ansiolíticos, acho importante refletir sobre armadilhas que o jovem que fui caiu e que o homem que sou ainda cai.

Vindo de família pouco afeita a leitura, rompi a lógica e me tornei um leitor, flertando, ao mesmo tempo, com a escrita e imaginando que isso pudesse ser minha tábua de salvação frente a opções entediantes de trabalho.

O desconforto do desencaixe familiar me gerou solidão e algumas cruzes que, por muito tempo, carreguei achando que precisava para alimentar minha escrita. O ônus por querer ser criativo e pensar de forma diferente: ser rotulado de estranho. O problema é que essa ideia do criativo sofredor se torna uma profecia autorrealizável, alimentada, muitas vezes, por nossa própria ignorância.

A ligação entre distúrbios mentais e arte não é novidade. Ao longo dos séculos, muitos artistas desempenharam o papel do gênio torturado com desenvoltura. Também não é sem fundamento, um estudo de 2015 descobriu que pessoas em profissões criativas, como pintores, músicos e escritores eram, em média, 25% mais propensas a sofrer de doenças mentais.

Muitos artistas são justamente reverenciados por terem sofrido de doenças psicológicas, muitas vezes, tiveram na “loucura” a inspiração ou o tema de suas obras. No entanto, corremos o risco de traçar uma falsa correlação entre criatividade e doença mental.

É importante que, como sociedade, não creditemos a doença mental a produção artística de ninguém. Romantizar não só diminui o trabalho, mas confunde doença com talento e isso, na verdade, atrapalha.

Van Gogh (você já deve ter ouvido falar dele) sentiu na pele. Em uma das últimas cartas que escreveu, disse: “Ah, se eu pudesse ter trabalhado sem essa maldita doença, que coisas eu poderia ter feito”.

Podemos apontar para algumas das maiores obras-primas da arte e os artistas mentalmente doentes que as criaram e ver a correlação, mas o que nunca podemos ver são todas as obras-primas que nunca foram pintadas, porque os artistas perderam suas vidas, ou suas mentes, antes de terem a oportunidade de criá-las.

Vincent Van Gogh cometeu suicídio aos 37 anos. Quantos anos ele se privou? E de quantas grandes obras de arte sua doença privou o mundo?

De acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria, pelo menos 50 milhões de Brasileiros sofrem algum tipo de doença mental. Os diagnósticos são variados: depressão, transtornos de humor, déficit de atenção, ansiedade, entre outros.

Em relação a depressão, levantamentos nacionais de saúde indicam que o país tem apresentado um aumento preocupante na incidência de casos. De acordo com a Pesquisa Vigitel 2021, um dos mais amplos inquéritos de saúde do país, em média, 11,3% dos brasileiros relataram ter recebido um diagnóstico médico da doença.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país que mais sofre por transtorno de ansiedade no mundo. Dados de 2019 indicam que 18,6 milhões de brasileiros, quase 10% da população, conviviam com o transtorno, o maior número de pessoas com a doença em um país no mundo.

Mas porque estamos tão doentes e como a arte pode ajudar?

Vale a pena continuar essa conversa, mas, por hora, agradecido pela leitura. Evidentemente o dito é infinitamente menor do que o não dito, mas nosso silencio também diz muito. Suas críticas e sugestões são bem-vindas e você pode compartilhar se quiser.

 

Texto por Wender Reis