Quem não conhece ou já ouviu falar do grandioso Cirque du Soleil?
Fundado em 1984, na cidade de Baie-Saint-Paul, no Canadá, o Cirque du Soleil é atualmente a maior companhia circense do mundo.
Ele surgiu em resposta a um apelo do governo de Quebec pela celebração do 460° aniversário da descoberta do Canadá pelo explorador francês Jacques Cartier. Em 1983, o então governo doou ao grupo US$1,5 milhão para que organizassem uma produção para a celebração no ano seguinte.
Mas o que levou essa forma de entretenimento se tornar um grande sucesso no mundo todo e se destacar tanto em suas apresentações?
As produções do Cirque já foram vistas por quase 150 milhões de pessoas em mais de 300 cidades em todo o mundo. Em menos de 20 anos desde a sua criação, o Cirque du Soleil alcançou um nível de receita que o campeão mundial da indústria circense (Ringling Brothers and Barnum & Bailey Circus) só atingiu após 100 anos de atividades.
O que torna o acontecimento ainda mais notório e impactante foi o fato de que ele não ocorreu em um setor atrativo. Uma vez que as formas de entretenimento foram sendo substituídas e a tecnologia tomando espaço na vida das crianças, que era o público principal.
E qual foi a grande sacada do criador e CEO de uma das principais empresas culturais exportadoras?
Ele criou um novo espaço de mercado inexplorado, com características inconfundíveis, que tornou a concorrência irrelevante.
De tal modo, atraiu um grupo totalmente novo de frequentadores – adultos e clientes empresariais dispostos a pagar preços várias vezes superiores aos praticados pelos circos tradicionais por uma experiência de entretenimento sem precedentes.
Como menciona W. Chan Kim e Renée Mauborgne, no livro “A estratégia do Oceano Azul”:
“A busca simultânea de diferenciação e de baixo custo situa-se no âmago dessa experiência de entretenimento.
Na época de seu advento, os circos se esforçavam para seguir os exemplos dos outros e aumentar sua participação na já minguante demanda por espetáculos circenses e tradicionais decadentes. Para isso, procuravam atrair os palhaços e os domadores mais famosos, o que inflava sua estrutura de custos sem alterar substancialmente a experiência circense.
Com a chegada do Cirque du Soleil, todos esses esforços se tornaram irrelevantes. O novo empreendimento procurou oferecer a diversão e a vibração do circo e, ao mesmo tempo, a sofisticação intelectual e a riqueza artística do teatro; assim, redefiniu o problema em si.
Ao romper as fronteiras dos mercados de teatro e circo, o Cirque du Soleil passou a compreender melhor não só os clientes de circo, mas também os não clientes; adultos frequentadores de teatro. Daí resultou um conceito totalmente novo.”
Veja as diferenças entre os tradicionais circos e o Cirque du Soleil, de acordo com Mauborgne e Kim (2018):
“Enquanto outros circos ofereciam espetáculos com animais, performance artísticas, vários picadeiros na forma de três círculos e descontos para grupos nas vendas ao público, o Cirque du Soleil eliminou todos esses fatores considerados sempre imprescindíveis pelos circos tradicionais.
Na verdade, contudo, o público se mostrava cada vez mais insatisfeito com a exploração de animais, exatamente um dos componentes mais dispendiosos, tanto pelo preço de compra em si, quanto pelas despesas com treinamento, assistência médica, abrigo, alimentação, segurança e transporte.
O encanto duradouro do circo tradicional consistia apenas em três fatores-chave: a tenda, os palhaços e as acrobacias clássicas. Assim, o Cirque du Soleil manteve os palhaços, embora mudando seu humor do tipo pastelão para formas mais encantadoras e refinadas. Também acentuou o glamour da lona, que ironicamente, muitos circos começavam a substituir por recintos alugados.
Considerando que a singularidade da lona refletia simbolicamente a mágica do circo, o Cirque du Soleil projetou o símbolo clássico do circo com um acabamento externo mais grandioso e mais conforto interno para os usuários, acentuando a associação entre a tenda e a epopeia do grande circo. A serragem e os bancos duros desapareceram. Os acrobatas e outras encenações vibrantes foram mantidas, mas seu papel foi reduzido e eles ficaram mais elegantes, acrescentando-se aos atos bom gosto artístico e admiração intelectual.
Olhando para o teatro, no outro lado da fronteira do mercado, o Cirque du Soleil também incorporou novos fatores não circenses, como enredo e riqueza intelectual, músicas e danças artísticas e produções diversas. Esses fatores, criações inteiramente novas para o contexto circense, se inspiraram no teatro, outra indústria de entretenimento ao vivo.
Ao contrário dos espetáculos circenses tradicionais, compostos de uma série de atos desconectados, cada criação do Cirque du Soleil tem um tema e um enredo, algo parecido com uma apresentação teatral. Embora o tema seja deliberadamente vago, a inovação proporciona harmonia e refinamento intelectual ao espetáculo – sem limitar o potencial artístico.
O Cirque du Soleil também aproveita ideias dos shows da Broadway. Por exemplo, apresenta várias produções em vez dos tradicionais espetáculos únicos. Como na Broadway, cada espetáculo do Cirque du Soleil tem sua própria trilha sonora, com músicas selecionadas, que marca a performance visual, a iluminação e a duração dos atos. Os espetáculos incluem danças abstratas e espirituais, ideia extraída do teatro e do balé. Ao implementar esses novos fatores em suas ofertas, o Cirque du Soleil passou a produzir espetáculos mais sofisticados.
O Cirque du Soleil ainda é realmente um circo ou um teatro? E se for um teatro, de que tipo ele é – espetáculo da Broadway, ópera, balé? Isso não está claro. O Cirque du Soleil estabeleceu elementos específicos, envolvendo todas essas alternativas, e, no final das contas, é ao mesmo tempo um pouco de todas as suas fontes de inspiração, mas não é nenhuma delas em sua completude.” (KIM, C.; MAUBORGNE, R. A estratégia do oceano azul: como criar novos mercados e tornar a concorrência irrelevante. Rio de Janeiro: Sextante, 2018.)
Esses foram caminhos que fizeram do Cirque du Soleil o que ele é hoje! Trouxe uma nova experiência ao seu público, uniu circo e teatro de uma forma nunca vista antes.
Texto adaptado do livro “A estratégia do Oceano Azul”