Uma conversa intimista nesta semana sobre música, cinema e livros levou a Mariposa aqui a pensar sobre ‘O grito do cinema mudo’. Explico-me melhor; a força da interpretação, o uso das trilhas orquestrais e as nuances entre o preto e o branco, luz e escuridão, manifestavam-se com potência tal, que hoje muitas produções cinematográficas ficariam rebaixadas.
Como não era possível naquele momento contar com a fala, os olhos, as expressões da face e o movimento do corpo eram os instrumentos para a percepção das emoções e predisposições das personagens.
O que conhecemos como trilha sonora hoje, uma espécie de acompanhamento com correspondência direta à cena exibida, era apenas uma lacuna substituída por efeitos sonoros executados durante a exibição, frequentemente por filarmônicas. Os letreiros explicativos introduziam cenas, auxiliando o espectador na compreensão do fio narrativo. Podiam ser sugestivos, literais; eram na verdade condutores.
Há quem considere que o ‘overacting’, uma espécie de super-representação dos atores, contribuiu para a popularidade maior das comédias, em detrimento dos dramas. No entanto, a mariposa considera que esse tipo de representação mais teatral beneficiou tanto comédias quanto dramas no caso do cinema mudo. E o que muda mesmo é a predisposição do público, frequentemente inclinado para temas mais engraçados, por vezes mais leves que os melodramáticos.
O cinema atual é um verdadeiro mosaico de cores, paletas infinitas que brincam com o novo, o antigo (sépia) e tem ainda as técnicas de colorização para atualizar o ‘antigo’ preto e branco. No cinema mudo era só luz e sombra, preto, nuances de cinza, até chegar o branco. Mesmo no mundo colorido, o espectador se deliciava com o espetáculo em preto e branco, pois não são as cores que delimitam as pessoas e objetos, mas uma paleta que permita contrastes.
Na opinião da mariposa, dois títulos mudos parecem emblemáticos demais para serem perdidos de vista. Um deles é o ‘O Encouraçado Potemkin’ (1925), do russo Serguei Eisenstein. O tema do filme mostra como se desenvolve a consciência de classe. Marinheiros mal tratados pelos oficiais, em condições de trabalho degradantes se revoltam e acompanham a revolução proletária que ocorria em Odessa, na Rússia Czarista, em 1905.
Eisenstein, considerado o grande mestre da montagem cinematográfica, fez, sem dúvida, uma obra prima: imagens em movimento, reforçadas por letreiros projetados na tela junto com o filme e a música tocada fora por músicos ante a tela, onde o filme era projetado. Eisenstein descreveu a montagem de maneira simples: “suponhamos, por exemplo, um túmulo e uma mulher de luto chorando: dificilmente alguém deixará de chegar a esta conclusão: uma viúva”. O diretor se inspirava em ideogramas chineses, as anotações de Leonardo da Vinci sobre o uso da perspectiva, e muito de literatura russa.
Outro filme de tirar o fôlego e silenciar os amantes do cinema é ‘Metropolis’ (1927), do alemão Fritz Lang. Metrópolis se passa em um ambiente ubano futurista opressor e segue as tentativas de Freder, o rico filho do mestre da cidade, e Maria, uma figura santa para os trabalhadores, de superar o grande abismo que separa as classes em sua cidade e reunir os trabalhadores com Joh Fredersen, o mestre da cidade.
A mensagem do filme está contida no intertítulo final: “O mediador entre a cabeça e as mãos deve ser o coração”. Uma curiosidade não tão boa sobre Metropólis é que boa parte, cerca de ¼ do filme foi editado e perdido desde seu lançamento. Somente em 2008, em Buenos Aires, foi descoberta uma cópia quase completa, mas em péssimas condições, inclusive com enquadramento menor que o original.
Além dessas duas preciosidades do cinema mudo, há outras como Nosferatu, o vampiro (1922), de F.W. Murnau, a Paixão de Joana D’arc (1928), de Carl Theodor Dreyer, e Luzes da Cidade (1931), de Charles Chaplin. E voltando ao início, o cinema mudo grita!